Nota pública da ABraSD em repúdio à suspensão de processos da Justiça do Trabalho sobre "pejotização"
- ABraSD
- 19 de abr.
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NOTA DE REPÚDIO À SUSPENSÃO DE PROCESSOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO SOBRE "PEJOTIZAÇÃO"
A Associação Brasileira de Pesquisadores em Sociologia do Direito – ABraSD vem a público manifestar profundo repúdio à decisão do Ministro do STF Gilmar Mendes, proferida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603 (Tema 1389 de Repercussão Geral), de suspender na Justiça do Trabalho, até o julgamento definitivo do recurso extraordinário, todos os processos que discutem (1) a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas em que se discute a fraude no contrato civil de prestação de serviços; (2) a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, à luz do entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADPF 324, que reconheceu a validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos; e (3) a questão referente ao ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil, averiguando se essa responsabilidade recai sobre o autor da reclamação trabalhista ou sobre a empresa contratante.
Essa decisão desconsidera a especialidade da Justiça do Trabalho e sua competência constitucionalmente assegurada de julgar as ações oriundas da relação de trabalho (art. 114, I, da CF/88). Isso significa que a jurisdição sobre fraudes na prestação de trabalho assalariado no Brasil não se restringe a lidar com contratos de emprego formalmente constituídos, mas também alcança reconhecer nas premissas fáticas do caso concreto os ardis que simulam uma relação puramente cível e dissimulam o vínculo de emprego com todas as suas características legais (arts. 2º e 3º da CLT).
O afastamento dessa competência e a chancela de escamoteações do contrato de trabalho por contratos sujeitos ao regime meramente cível pelo STF, tribunal cuja função serve para garantir a ordem constitucional, afrontam diretamente o comando dos arts. 7º e 114 da CF/88. Dessa forma, abre-se margem para uma exclusão sistemática e contínua de trabalhadores dependentes única e exclusivamente de sua mão de obra, despojando-os da proteção conferida pelo direito do trabalho. A “pejotização” legalizada e irrestrita representa a formação de uma massa de brasileiros submetidos às contingências da instabilidade econômica, à precarização de suas condições de trabalho, aos abusos decorrentes do desequilíbrio nas negociações e às condições indignas de vida dentro e fora do trabalho.
Os fundamentos da República Federativa do Brasil, que englobam os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF/88), não se concretizam, tampouco se tornam minimamente atingíveis os objetivos fundamentais de construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; nem promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º da CF/88), quando a situação de vulnerabilidade dos trabalhadores é explorada para que aceitem as condições laborais impostas, mesmo que por meio de fraude por simulação de contrato de prestação de serviços.
Com isso, a ABraSD não espera que o desenvolvimento da economia brasileira se sustente com base em tais artifícios nem que o pacto social firmado à luz da ordem constitucional vigente resulte na desconstrução do vínculo empregatício e na criação de barreiras de acesso à Justiça do Trabalho.
Brasília, 19 de abril de 2025